3.2.06

 

Tem coisa pior

Contava minha história a uma amiga, que me consolou:

— Uma amiga minha foi casada anos com um cara. Tinham uma filha. Se separaram, cada um seguiu para um lado e ela encontrou outra pessoa, que queria casar. Quando ela foi pedir o divórcio pro ex... voltaram.

Já ficava alegrinha, quando ela completou:

— Ficaram juntos mais dez anos. Hoje se separaram de novo...

Comments:
Muito legal seu site. Pena que não tem sido atualizado com maior frequencia. Li esse texto e achei bem a cara do seu blog. Veja se gosta.

Abraço

Putas não fazem intertextualidade

Quando meus amigos e eu íamos à zona do meretrício, em Tupã, não procurávamos sexo. Creio que a intenção primordial de todos nós era a auto-afirmação: quem demonstrasse mais frieza com as putas era o mais engraçado e o mais homem.

No meu caso, era comum que eu falhasse na consecução desse objetivo. Não no de ser homem (acho), mas no de ser frio. À medida que a conversa ia desenrolando-se – na medida do possível –, delineava-se em mim um dó, uma espécie de respeito por aquele tipo de mulher. Eu passava a dar-lhe atenção, enquanto ela não me dava absolutamente nada. Eu era, na visão dela, somente mais um otário que pensava poder obter sexo gratuitamente. Mas mal sabem essas putas que às vezes sai muito mais barato dar-lhes uma grana que a atenção...

E a história que lhes narrarei hoje, parcos leitores, tem relação estreita com a atenção dada às putas. Para poupar seu tempo – por que poupar tempo se a vida só tem sentido porque não temos tempo de vê-la passar? –, transportá-lo-ei diretamente para a cena específica da enunciação: a pista de dança de uma boate de putas no Estado de São Paulo. Os três homens que me acompanhavam já estavam ao lado de suas respectivas mulheres-damas, e eu, para corresponder mais às expectativas deles que às minhas, procurava uma com quem pudesse conversar. Eu e essa mania de conversar com puta. Havia bastantes mulheres lá – e era incrível como elas me olhavam com volúpia! Uma delas aproximou-se e puxou uma conversa. Como havia muito barulho na pista, chamou-me para sentarmos num sofá no canto da boate.

No caminho, eu já ia pensando na pergunta que lhe faria. Assim que sentamos, nem deu tempo de dirigir-lhe a palavra...

- E aí, você cheira? – perguntou-me, com nenhum sentimentalismo.

- Já cheirei, mas parei faz tempo – menti-lhe, com o intuito de criar a persona de um homem descolado, lascivo e perigoso. Se a máscara caísse, ela veria um homem que evita até bombom de licor e que é fissurado por picanha e substâncias afins.

O papo desenrolou-se nesse nível. Falava-me ela sobre maconha, cocaína e outros componentes de seu diminuto universo. E eu fingia fazer parte dele. Concordava com tudo e acrescentava detalhes e comentários que dessem fé a minha postura. Tudo ia bem, até que, logo após ouvi-la dizer que, apesar de tudo, era um anjo, resolvi fazer um comentário charmoso, com sorrisinho sexy e tudo:

- Anjo? Você? Ah, mas só se for um anjinho caído...

Nesse momento, duas máscaras caíram. Ela fez jus ao epíteto que lhe atribuíra, e eu não pude evitar uma expressão facial de insegurança.

- Caído é as bola do seu saco, feladaputa!

Até tentei dar um sorrisinho, de mãos dadas com um resquício de esperança. Podia tratar-se de uma brincadeira espirituosa da meretriz. Mas não. Ela procedeu a uma seqüência de xingamentos que me desestabilizou. Começou a passar as mãos no próprio corpo, dizendo enfaticamente que era gostosa e que qualquer homem faria de tudo para estar com ela. Os pedidos de desculpa e as tentativas frustradas de explicação não chegavam nem perto de interromper aquela mulher, cujo desequilíbrio me fez temê-la deveras. Ela estava na iminência de me agredir fisicamente. E eu, ingenuamente, tentei falar-lhe sobre a intertextualidade, a relação estabelecida entre textos...

- Eu quis dizer que você é uma diabinha, e não que é uma mulher caída. Lembra-se do Lúcifer, o anjo caído?

E Lúcifer ali estava. Arrependi-me de ter tocado em seu nome. Pensei na minha mãe, nos ovos cozidos que eu comia, quando criança, na Praça Roosevelt. Nunca imaginei que algum dia rezaria numa zona, mas, diante da vociferação sulfúrica daquela diabra, não me restou alternativa.

Quando o efeito da cocaína se tornou mais fraco que o de minhas preces silenciosas, consegui levantar-me daquele sofá. Pedi desculpas mais uma vez, mas ela me mandou tomar algo, não lembro bem o quê – estava muito nervoso. Fiquei com medo de ser atirado aos leões-de-chácara, caso se condoessem da infeliz, mas graças a Deus não fui importunado.

Voltei aos meus amigos. Conseguindo sorrir, disse-lhes, pondo a cerveja de 23 reais no copo:

- Tá loco, véio! Cara demais.

Nada disse a eles sobre o ocorrido. Mas prometi a mim mesmo que, se saísse bem daquela situação, pregaria eternamente estas palavras: Cuidado! Putas não fazem intertextualidade.
 
Poxa... Pensei que fosse gostar da intertextualidade! É a cara deste blog!
 
Postar um comentário

<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?

Bravenet.com